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A hepatite C, causada pelo vírus HCV, é uma doença silenciosa que costuma apresentar sintomas apenas em sua forma avançada – quando o fígado do paciente já se encontra comprometido. Foi o que aconteceu com o engenheiro e professor Manoel Messias Neris, 65 anos, que mora em Santos (SP). Em 1992, ele resolveu doar sangue e, pelos exames de testagem, descobriu que tinha a doença. De pronto, Neris procurou o Sistema Único de Saúde (SUS) em busca de orientações, pois, à época, sabia-se pouco sobre hepatite C.
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“A princípio, eu não tinha lido nada sobre o assunto, então achei que o tratamento para cura era simples. Naquela época, a internet não tinha a capacidade que tem hoje. Até descobrir o drama da situação, demorou a cair a ficha. O conhecimento era limitado”, rememorou. Ele suspeita ter sido infectado em uma consulta com dentista, por meio de aparelhos não esterilizados.
Recomendado pelo médico que o avaliou, Neris realizou uma bateria de exames para verificar seu quadro hepático e em seguida iniciou o tratamento com os medicamentos ribavirina e interferon, esse último sendo custeado pelo SUS. A primeira tentativa, que durou cerca de um ano, não foi bem-sucedida. O engenheiro sofreu com os fortes efeitos colaterais dos medicamentos: apresentou uma queda considerável de plaquetas e leucócitos, tendo sua imunidade diminuída e ficando exposto à contração de novas doenças. “Foi quando comecei o segundo tratamento, com peginterferon associado àribavirina. Eu ficava prostrado. Sentia uma espécie de fraqueza, perdi totalmente o apetite e emagreci muito”, conta Neris. Com essa nova tentativa, em 1998, os testes deram negativo – mas não por muito tempo.
Três meses depois, a doença voltou. Como o paciente já havia tentado todos os tratamentos disponíveis e, mesmo assim, continuava a apresentar infecção por hepatite C, ele decidiu se abster de assistência médica. Em 2012, quando houve sinalização de distribuição de novos medicamentos, Neris voltou ao hospital e reiniciou a terapêutica, desta vez com a inclusão do boceprevir. Com um ano de tratamento, veio a boa notícia: os exames para a doença estavam negativos. Poucos meses depois, uma nova surpresa: o vírus HCV voltou a se manifestar.
Em outubro de 2015, o Brasil incorporou três novos medicamentos para o tratamento da hepatite C: daclatasvir,simeprevir e sofosbuvir. As drogas elevam para mais de 90% a taxa de cura da doença, que com o antigo tratamento (Interferon e outros) se limitava a 60%. Além disso, elas apresentam efeitos colaterais mínimos e proporcionam um tempo menor de tratamento (de 12 a 24 semanas). Antes, esse período chegava a um ano, como aconteceu com Neris. Com o novo protocolo, ele iniciou novamente o tratamento com daclatasvir e sofosbuvir, associado à ribavirina. Em três meses, estava curado.
“Desde fevereiro estou negativo. Senti efeitos colaterais mínimos. Antes, com os outros remédios, não conseguia nem andar direito. Agora, eu voltei a correr na praia e consegui até fazer a Corrida São Silvestre. Devagar, mas consegui”, alegrou-se. Com a nova geração de medicamentos mais eficazes no combate à doença, Neris está confiante que não voltará a ter más notícias quanto à sua saúde. “Na minha opinião, o SUS é o melhor sistema de saúde do mundo. O tratamento para hepatite C não é barato e, com o custeio, salvou minha vida. O Brasil deve servir de exemplo para o mundo nesse quesito”, finalizou.
Para Joaquín Molina, Representante da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) no Brasil, o novo protocolo adotado pelo sistema de saúde do país dá segurança para uma vida melhor às pessoas que vivem com a doença. “Desde a incorporação dos novos medicamentos, o Brasil tem mostrado resultados bastante otimistas em relação às taxas de cura de hepatite C. A iniciativa do país pode servir de exemplo para outros Estados que também enfrentam os desafios impostos pela doença. A OPAS/OMS tem trabalhado junto ao país para tornar esse cenário ainda mais positivo”, disse.
O Brasil distribui desde 2011 testes rápidos para a detecção da enfermidade. A cada ano, cerca de 3 mil mortes são associadas à hepatite C. Atualmente, não existe vacina para doença.
Histórico
Nas décadas de 80 e 90, a exposição ao vírus acontecia majoritariamente com transfusão de sangue, hemodiálise, uso de drogas injetáveis, compartilhamento de objetos de uso pessoal, sexo desprotegido e na confecção de tatuagens. Até 1993, não existia ainda no Brasil testes de diagnóstico da doença, bem como, até recentemente, tratamento eficaz para combatê-la.
O Ministério da Saúde brasileiro estima que 1,4 milhão de brasileiros tenham hepatite C. Porém, apenas 120 mil casos da doença foram notificados nos últimos 13 anos – as regiões Sul e Sudeste somam 86% das ocorrências. Leandro Sereno, consultor da OPAS/OMS na área de Doenças Transmissíveis e Análise de Situação de Saúde, lembra que a incidência da doença é maior em pessoas com mais de 45 anos. “Até o início da década de 90, não era feita no Brasil a testagem do sangue doado pela população. Como o vírus pode demorar de 20 a 30 anos para manifestar sintomas (quando manifesta), quem à época recebeu transfusão de sangue ou compartilhou seringas pode desenvolver a doença tardiamente. Esse é um dos fatores que dificulta a procura dos pacientes aos serviços de saúde, e, consequentemente o diagnóstico e o tratamento adequados”, ponderou.
Atualmente, com intermediação da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), países membros do Mercosul negociam a compra conjunta de um medicamento de nova geração para tratar a hepatite C. A quantidade será definida pelos governos em concordância da demanda de cada país. A aquisição dos medicamentos será feita pelo Fundo Estratégico da OPAS/OMS. Equipes técnicas da instituição também apoiam o Ministério da Saúde no desenvolvimento de novos protocolos clínicos.
Transmissão e sintomas
O vírus da hepatite C é mais comumente transmitido por meio de transfusão de sangue não testado, compartilhamentos de seringas (como no caso do uso de drogas injetáveis) e reutilização ou esterilização não adequada de equipamentos médicos. A doença, mais raramente, também pode ser transmitida verticalmente (de mãe infectada para o bebê) e pela prática de sexo sem preservativo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), após a infecção inicial, 80% das pessoas não apresentam nenhum sinal da doença. As demais podem desenvolver hepatite aguda, caracterizada por sintomas como febre, fadiga, perde de apetite, náuseas, vômitos, dor abdominal, urina escura, fezes de cor cinza, dor nas articulações e icterícia (amarelamento da pele e do branco dos olhos). De cada 100 pessoas que tem contato com o vírus HCV, 80 evoluirão para infecção crônica.
O diagnóstico precoce pode evitar uma série de problemas decorrentes da infeção e também prevenir a transmissão do vírus. A OMS recomenda testes de hepatite C regulares para população de risco, que inclui: pessoas que utilizam drogas, pessoas privadas de liberdade e quem tem tatuagens ou piercings, entre outros.
Plano de ação
A OMS lançou em outubro de 2015 um plano de ação para prevenção e controle de hepatites virais e convocou seus Estados-Membros a priorizarem a hepatite C como uma questão de saúde pública, promovendo e integrando respostas abrangentes e estabelecendo metas específicas para enfrentar os desafios que essa doença infecciosa apresenta. “O documento estabelece metas, estratégias e objetivos para o controle das hepatites, com foco nos tipos A, B e C. O Brasil participou ativamente da elaboração do Plano conosco”, afirmou Sereno.

 
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FONTE: Organização Pan-Americana de Saúde