- 1 de março de 2017
- Posted by: Grupo IBES
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Cobaia. Substantivo feminino. 1. Roedor sul-americano da família dos caviídeos (Cavia porcellus), encontrado atualmente apenas como animal doméstico, e que, há séculos, vem sendo usado em todo o mundo em experimentos laboratoriais; porquinho-da-índia, preá, preá-da-índia. 2. p.ext. qualquer animal ou pessoa que se usa em experimentos científicos.
Vacinas. Medicamentos. Kits de diagnósticos. As substâncias indispensáveis à saúde são descobertas ou desenvolvidas a partir de muitos estudos e experimentos científicos. Os testes que mostram como elas se comportam em um organismo vivo passam hoje por etapas que exigem experimentos em animais. Esses estudos envolvem uma discussão ética, e muitas vezes são alvo de polêmica. São realmente necessários? Como são criados estes animais? O que se pode fazer com eles? O uso é válido para obter um benefício maior para uma população?
Hoje, a resposta da maior parte dos cientistas é: sim, eles são necessários. “Ninguém opta por usar animais, havendo métodos alternativos validados e comprovadamente eficazes para aquele teste. Mas ainda hoje, apesar da evolução tecnológica, não existem alternativas válidas para todos os estudos que precisam ser realizados”, disse à Radis a médica veterinária Carla de Freitas Campos, diretora do Instituto de Ciência e Tecnologia em Biomodelos (ICTB/Fiocruz). Ela explicou que os animais ainda são os modelos mais parecidos com os humanos para se desenvolverem estudos científicos e tecnológicos em saúde. “Sem eles, muitas das grandes conquistas e prêmios Nobel na área da saúde, que hoje salvam milhares de vidas, não teriam sido alcançados”.
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Para Carla, é preciso pensar a questão do uso de animais em termos amplos, levando em consideração a relação custo-benefício das pesquisas em saúde para toda a população — e também para os próprios animais. Os resultados, enfatizou a pesquisadora, ultrapassam a saúde pública e se refletem em avanços na saúde veterinária. “Em um mundo ideal, não utilizaríamos animais de laboratório”, salientou, enumerando os diferentes usos do que se aprende com este tipo de pesquisa: “Hoje nós dependemos dos animais para conhecermos o comportamento das doenças e entender como se dão as interações das substâncias com os micro-organismos em organismos vivos, para desenvolvermos os tratamentos cirúrgicos ou clínicos, para a imunização de animais e de pessoas, para determinados tipos de testes diagnósticos”.
A pesquisadora esclareceu que a ciência de animais de laboratório em todo o mundo é regida atualmente pelos princípios dos 3Rs. A sigla, inspirada nos conceitos de sustentabilidade ambiental, relaciona as iniciais, em inglês, de seus principais objetivos: redução (Reduction), refinamento (Refinement) e substituição (Replacement), que de forma resumida significam a redução do número de animais utilizados na pesquisa, a melhora na condução dos estudos, no sentido de minimizar o sofrimento ao mínimo possível, e a busca de métodos alternativos que, por fim, substituam os testes in vivo.
É esta teoria que orienta os cientistas a buscarem diminuir o número de animais utilizados e aprimorar as técnicas de modo a não repetir experimentos desnecessariamente, nem refazer procedimentos, além de buscar o modelo mais adequado para cada tipo de experimento. E, por fim, sempre que possível, substituir o uso de cobaias por um método alternativo disponível. A tendência do uso de animais em pesquisas, apontou Carla, é de queda. “Os estudos que são realizados com animais usam um quantitativo muito menor hoje, muito devido aos métodos alternativos, mas também por termos desenvolvido a criação de animais que são modelos específicos para determinados tipos de estudos. Essa queda pode ser difícil de perceber e quantificar, já que temos cada vez mais pesquisas em desenvolvimento”, explicou.
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A escolha do animal a ser manejado em laboratório depende da pesquisa. Há alguns animais cuja linhagem genética é propensa a desenvolver determinadas doenças — como diabetes ou hipertensão, por exemplo —, o que os torna cobaias ideais para se testar medicamentos e/ou procedimentos. “Se o pesquisador quer entender uma determinada doença, a utilização dessa linhagem vai trazer resultados mais fidedignos e que poderão mais facilmente ser aproveitados para os seres humanos”, colocou Carla, salientando que optar por “modelos específicos” também implica em usar menos animais nos experimentos e em resultados que beneficiem a própria espécie testada. “Isso é eticamente muito interessante”, ponderou.
“Ao utilizar animal, a espécie que se busca é aquela que reúna duas características: proximidade de resposta do homem e facilidade de manejo”, resumiu para Radis Octavio Presgrave, coordenador do Centro Brasileiro para a Validação de Métodos Alternativos (BraCVAM) (ver entrevista na página 22). Criado em 2012 a partir de uma parceria com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o BraCVAM, é o primeiro centro da América Latina a validar e coordenar estudos de substituição, redução ou refinamento do emprego de cobaias em testes de laboratório. “Identificamos a necessidade de validar métodos alternativos. A partir daí, uma ampla rede composta de laboratórios e universidades, a Renama [Rede Nacional de Métodos Alternativos ao uso de animais] executa ensaios de validação e pode propor novos métodos”, contou Octavio. “Na América do Sul, o Brasil tem um lugar de destaque em termos de preocupação com os animais, com o cuidado e a ciência de animais em laboratórios”, esclareceu. O biólogo destacou também a atuação da Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório (SBCAL), que vem realizando congressos e outros eventos com o intuito de divulgar e atualizar os pesquisadores. “Em termos de qualidade e respeito, de técnica e metodologia, já estamos muito adiantados”, avaliou.
No entanto, o Brasil ainda sofre com a carência de animais para uso em pesquisa e não dispõe de dados atualizados sobre o seu uso, advertiu Carla. Ela informou que a legislação brasileira determina que toda instituição de ensino ou pesquisa que utiliza animais tem que estar cadastrada no Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), criado pela Lei 11.794/2008, conhecida como Lei Arouca. A norma também exige que os experimentos sejam submetidos às Comissões de Ética em Uso de Animais (CEUAs). Segundo Carla, o cadastro, no entanto, ainda está em processo, o que significa que os números de animais e instituições ainda não está atualizado. “Com esse cadastro, vai ser possível fazer ações mais direcionadas, visitar todas as instituições e ter um panorama de como está sendo feita essa criação”, prevê a pesquisadora.
Saúde monitorada
Embora o termo cobaia tenha se popularizado e se tornado sinônimo de qualquer animal utilizado em experimentos, o camundongo é, de longe, o animal mais usado nas pesquisas. Os camundongos constituem a espécie que tem mais linhagens desenvolvidas por meio de cruzamentos e modificações genéticas para estudos científicos específicos. Nos Estados Unidos, país que mais realiza experimentação animal, registra-se o uso de até 26 milhões de camundongos e ratos por ano, o equivalente a 96 a 98% dos animais utilizados em experimentos, de acordo com o grupo de pesquisadores que mantém o site Speaking of research (em português, Falando sobre pesquisa), que reúne informações precisas sobre a importância da investigação animal em ciência médica e veterinária.
Discussão ética
Em todo o mundo, a questão ética envolvendo a experimentação animal é muito debatida. Vários países apresentam legislações específicas; em alguns, as normas são mais rígidas, em outros, mais flexíveis. Mas o assunto rende sempre polêmica. Recentemente, em junho de 2016, a companhia aérea Latam divulgou nota onde informava sua recusa em transportar animais destinados a pesquisas. A comunidade científica se posicionou contra a medida, alegando que o impedimento poderia frear a produção de conhecimento no Brasil, prejudicando, inclusive, o andamento de projetos que estudam o combate aos vírus causadores de doenças como chikungunya, zika e dengue.
Duas resoluções normativas (13 e 18) do Concea, publicadas no Diário Oficial da União em 2013 e 2014, oficializaram no país métodos alternativos já validados internacionalmente, como testes in vitro de curta duração para danos oculares e de triagem para toxicidade reprodutiva. Em cada um dos casos, o Concea estipulou um prazo de 5 anos para que os métodos anteriores deixem de ser aplicados. Com a medida, cerca de 25 métodos não poderão ser praticados no Brasil até 2021.
Redução e substituição
“É importante entender que, quando se pratica um teste, muitas vezes se está entregando a vida de um animal em prol da vida de pessoas e também de outros animais. Isso tem que ser respeitado. Trabalhamos com a vida e a vida não tem preço”, declarou a pesquisadora. No entanto, ela enxerga muitos avanços garantidos pelo movimento de proteção animal para a sociedade. “Até mesmo momentos extremos estimularam o desenvolvimento de leis que realmente protegem os animais que estão sendo utilizados em pesquisa”, comentou.
Uma das técnicas utilizadas no ICTB — e ensinada no mestrado profissional — é a Criopreservação. Trata-se de uma técnica de congelamento de embriões e sêmen, que contribui para diminuir a produção de algumas linhagens, salvaguardar o patrimônio genético e reduzir o número de animais mantidos em colônias nos biotérios.
Lei Arouca estabelece os parâmetros nacionais para experimentação animal
A legislação atualmente em vigor que regulamenta o uso de animais em pesquisa científica no Brasil é a Lei 11.794, de 2008, conhecida como Lei Arouca. A Lei Arouca criou o Conselho Nacional de Experimentação Animal (Concea), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
SAIBA MAIS
Agência Fiocruz de Notícias – Perguntas e Respostas sobre Experimentação Animal
*Reportagem publicada na edição de março de 2017
FONTE: FIOCRUZ (Por Elisa Batalha/ Revista Radis*)