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Por falta de políticas públicas eficazes, dezenas de crianças com doenças crônicas vivem hoje em unidades de saúde pelo país. Dependentes de algum tipo de tecnologia, elas seguem internadas, ainda que já tenham alcançado condições de estabilidade clínica para continuar o tratamento em domicílio. Este é um dos grandes desafios enfrentados atualmente pela pediatria. “Com o avanço das tecnologias biomédicas e a melhoria do acompanhamento perinatal, crianças que, há algumas décadas atrás, morriam ainda na sala de parto ou no período neonatal, hoje sobrevivem. Mas tem um custo sobreviver. Muitas precisarão para sempre de respiradores mecânicos e sondas para dieta, por exemplo. Contudo, são crianças que se encontram estáveis clinicamente e poderiam continuar o tratamento em casa, mas que acabam morando no hospital”, explica a gerente da Área de Atenção Clínica à Criança e ao Adolescente do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Lívia Menezes.
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Se perante a sociedade em geral esta é uma realidade até então desconhecida, no IFF ela representa a história de vida de quase metade das crianças internadas na Enfermaria de Pediatria. Sem recursos financeiros para arcar com os altos custos dos aluguéis de equipamentos e dos serviços de homecare, as famílias precisam recorrer à justiça para terem o direito ao tratamento em casa assegurado pelo município onde residem. “Não tem como a gente pensar em doença crônica e não pensar em desospitalização. Desospitalizar inclui atividades de caráter ambulatorial, programadas, continuadas e desenvolvidas no domicílio em tempo integral e muitas no mesmo nível de tecnologia e qualidade do hospital. Isso reduz o chamado custo social de uma internação prolongada e traz uma série de benefícios ao paciente, como a redução de riscos no ambiente hospitalar, diminuição de complicações clínicas e a humanização no atendimento, entendendo que a criança está perto da sua família”, explica a assistente social da pediatria, Mariana Setúbal.
“A cronicidade na pediatria não nos permite falar em cura, na maioria dos casos que atendemos. Diante disso, precisamos repensar a alta hospitalar. Esses pacientes desospitalizam e continuam seus tratamentos, por vezes complexos, em domicílio.  Repensar o atendimento domiciliar pautado no protagonismo familiar, aliado a uma rede de saúde qualificada é nossa principal meta. Precisamos criar alternativas para a judicialização”, completa Livia.
Dois anos: este foi o tempo que Maria Darina Santos aguardou para conseguir o tão sonhado homecare para o seu filho Gabriel. O menino nasceu com problemas neurológicos e necessita de aparelhos para respirar. Em seus três anos de vida, Gabriel passou apenas um mês e meio fora do hospital. A última internação durou dois anos e oito meses. Neste período, sua mãe precisou adequar a rotina para acompanhá-lo. Darina contou com a ajuda de familiares para se dividir entre os cuidados com o Gabriel no hospital e a criação dos outros dois filhos. “Minha filha sempre diz que o melhor presente que ela poderia ganhar seria ter o irmão dela em casa. O máximo que eu sempre consegui foi trazê-la aqui para uma visita. Sempre precisei me dividir. Meu coração apertava toda vez que precisava deixar o Gabriel aqui porque sabia que os outros dois precisavam de mim em casa”, conta Darina.
“Sem dúvidas, a condição social dessas famílias é tão complexa quanto a condição clínica da criança. Assim como a Darina, a maioria das mães dos pacientes possui outros filhos. Essas mulheres precisam abdicar de suas vidas para estar aqui. Muitas acabam tendo seus casamentos desfeitos, assumindo, além do cuidado no hospital, o papel de chefe de família. Outras não podem contar com uma rede de apoio familiar. Como cuidar dos outros filhos? Como sustentá-los se nem sempre elas conseguem manter seus empregos? Costumo dizer que esta é uma experiência avassaladora”, aponta Mariana.
O grande dia de Gabriel e sua família chegou após a repercussão que o caso teve com a matéria Infância perdida, veiculada no portal do Jornal O Globo.
A saída do instituto foi cercada de emoção. Os olhos marejados e a voz embargada refletiam a realização de Darina: “Hoje é o dia em que eu e minha família mais esperávamos chegar. Em todo esse tempo, era esse dia que eu tanto sonhava. Estou sentindo uma mistura de medo, felicidade, ansiedade e muito amor! Ter meu filho em casa, ter minha família unida, é muito emocionante!”, declarou ela, entre lágrimas.
“Esse dia representa uma vitória da família do Gabriel e da nossa equipe inteira de saúde que sempre esteve mobilizada com o tratamento dele. Também representa uma esperança para os que ainda estão aqui aguardando a sua ida para casa. Que a chegada do Gabriel possa aproximá-lo dos irmãos e que a Darina possa, de fato, ser mãe ao mesmo tempo dos três filhos que ela tem, sem precisar abrir mão de um para cuidar dos outros e que ela possa ser muito feliz!”, enfatizou a pediatra Livia Menezes, que acompanhou Gabriel desde o primeiro momento da internação.
A crescente judicialização e o papel do Fórum de Políticas Públicas
A judicialização das políticas públicas, entendida como um crescimento progressivo de ações judiciais movidas por cidadãos que cobram o direito à proteção social e atribui ao Judiciário a função de controle da constitucionalidade, se tornou uma tendência crescente no Brasil nas últimas décadas. Inicialmente associada, no campo da saúde, à necessidade de medicamentos e determinados procedimentos médicos para o tratamento da Aids, atualmente a judicialização tem se configurado como o principal caminho de acesso para a garantia do tratamento das doenças crônicas.
Na esperança de conseguir, seja um determinado equipamento, seja o próprio homecare, ou mesmo um medicamento, dezenas de famílias passam anos e anos com processos que parecem nunca ter fim. Darina esperou por quase três anos. Renata, que também teve sua história retratada da matéria especial do O Globo, segue na mesma espera para levar seu filho Emanuel para casa. Foi pensando nessa realidade que, em 2010, foi criado o Fórum de Políticas Públicas para Crianças e Adolescentes Cronicamente Adoecidos e suas Famílias.
A frente da Coordenação do Fórum, o IFF vem, desde então, participando de diversas agendas com o intuito de unir esforços para que as famílias tenham suas demandas garantidas sem a necessidade de ações judiciais. “Pela complexidade do universo das doenças crônicas, a nossa intenção é instituir mais do que um projeto de Lei. Trata-se de uma proposta mais ampla: um Programa de Desospitalização, que reúna todas as necessidades, desde uma infraestrutura habitacional adequada, passando pela questão da tarifa social na conta de luz até a adequação de um fluxo para garantia de medicamentos e equipamentos de alto custo”, explica Mariana Setúbal.
No dia 25/10, um evento promovido pelo Conselho Regional de Serviço Social reuniu membros dos conselhos de Saúde, Assistência, Direito da Criança e do Adolescente e do Deficiente, além de representantes do Conselho Tutelar e do IFF para debater o assunto. A programação, que começou com uma capacitação para os assistentes sociais em relação às alterações tanto na Lei do Estatuto do Deficiente, quanto do campo do benefício de prestação continuada recebido pelas famílias das crianças internadas, promoveu uma discussão com o objetivo de fortalecer a mobilização com a sociedade civil e os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Na ocasião, Mariana Setúbal apresentou a realidade das crianças internadas no Instituto e atualizou sobre o andamento das principais questões do Fórum, como por exemplo a necessidade de garantia do bilhete único para transporte das famílias que moram fora do Rio de Janeiro. Para ilustrar os diversos obstáculos enfrentados pelas famílias das crianças com doenças crônicas, os presentes tiveram a oportunidade de ouvir a realidade, através de quem a vivencia. Mãe e irmã de paciente com uma doença crônica rara, a mucopolissacaridose, Gabriele Gomes, traçou um panorama das demandas acompanhadas de perto tanto no âmbito familiar, quanto na associação de usuários que ela preside atualmente, a Anjos da Guarda.
Entre os assuntos abordados na apresentação de Gabriele, um em destaque terá um grande impacto negativo para esta realidade que já enfrenta tantos obstáculos: a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241. A medida que prevê o congelamento dos gastos governamentais com educação e saúde terá impacto direto não somente na regulamentação do Programa de Desospitalização, mas também no andamento dos processos judiciais, que atualmente é a forma encontrada pelas famílias para garantir os direitos dos pacientes.
 
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FONTE: Fiocruz