[ivory-search id="27469" title="Default Search Form"]
[ivory-search id="27469" title="Default Search Form"]

Além da ajuda voluntária, a atuação profissional na detecção precoce do risco de suicídio em pacientes, seguido por uma assistência adequada, pode levar a um alto índice de prevenção de mortes por esta causa, segundo dados do Centro de Valorização da Vida (CVV). E não somente psicólogos, psiquiatras e psicanalistas podem atuar nessa prevenção. Profissionais da rede de atenção primária, como enfermeiros e médicos generalistas, podem ser os primeiros a perceber os sinais de que uma pessoa cogita suicídio. Já na atenção secundária e terciária, como, por exemplo, nos hospitais gerais de urgência e emergência e nos serviços especializados, a abordagem correta por quem presta o primeiro atendimento a quem tenha tentado suicídio ou esteja em tratamento por algum transtorno psiquiátrico grave é peça-chave na prevenção de tentativas.
depressed+and+suicidal
Alinhada ao movimento internacional de desenho de estratégias de prevenção ao suicídio, liderado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil avançou na legislação sobre o tema. Em 2006, a publicação da portaria n.º 1876 instituiu as diretrizes nacionais para prevenção do suicídio, que prevê a necessidade de organização da rede de atenção à saúde, em todos os seus níveis, para assegurar o atendimento adequado ao paciente em risco de suicídio. Mas, na prática, ainda há desafios importantes a serem vencidos para reduzir o número de mortes por esta causa, que colocam o país no oitavo lugar do ranking da OMS. Para o pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), psicanalista e psiquiatra, Carlos Estellita-Lins, a equivocada cultura do pronto-atendimento e a capacitação profissional para lidar com crise são dois deles.
“No Brasil, a criação da Unidade Pronto Atendimento, a UPA, foi um remendo, foi uma solução mais política do que técnica, que tem sérios problemas porque repete um velho vício brasileiro de pronto atendimento, esquecendo-se que, desde os anos 1970, existe uma racionalidade de cuidado às urgências. A ideia de que alguém atenda prontamente qualquer coisa desvirtua a rede, tira a pessoa de seu médico generalista e a leva para um atendimento precário onde não encontramos especialistas em urgências”, explica Estellita-Lins. Segundo o pesquisador, o ideal seria o paciente recorrer primeiramente à equipe da saúde da família e a rede de centros de atenção psicossocial, os Caps: “é onde está o seu médico, que é em quem você confia, que é quem está capacitado para perceber se você está com sintomas somáticos, está mais cansado, está, talvez, deprimido, ou ainda, se já estava deprimido e vem piorando da depressão. Ele é uma pessoa chave, que pode fazer esse trabalho bem, com efetividade. Muito diferente de chegar em uma emergência, pedindo ajuda e descobrir que ainda não há integração da saúde mental com as urgências”.
Ele complementa que o problema é mais grave ainda, porque nas emergências do país, em geral, os profissionais são jovens residentes treinando-se em especialidades intervencionistas, como anestesiologia, medicina intensiva, cirurgia geral, naturalmente interessados em praticar procedimentos especializados (a especialidade medicina de emergência só foi regulamentada recentemente no país) e que, em geral, estão sobrecarregados, muitas vezes, trabalhando em condições insalubres e precárias. No livro Trocando seis por meia dúzia: suicídio como emergência do Rio de Janeiro, organizado pelo grupo do pesquisador, observou-se que muitos profissionais de emergências veem o paciente que tentou suicídio como um incômodo. “Nós encontramos gente que dá entrada no pronto-socorro e é maltratada porque é considerado um cara que está atrapalhando. Alguém que aparece de madrugada, e não é um infartado, é visto como um estorvo”, lamenta.
O despreparo dos profissionais de saúde que estão nas emergências é só uma das faces da falta de capacitação para atender o paciente em risco de suicídio da classe. Segundo Estellita-Lins, os residentes em psiquiatria têm poucas horas-aula e quase nenhum treinamento – não só em risco de suicídio, como, sobretudo, em psiquiatria de urgência de forma geral. Ele defende também que toda graduação em saúde deveria dedicar algum tempo para tratar da questão do risco de suicídio e sua prevenção. “É preciso formar pessoas com mais compromisso, com mais cuidado. Fala-se muito em humanização, mas é preciso ter uma melhor formação de todos os profissionais de saúde e, sobretudo, do médico”, defende. Os números corroboram com a tese do pesquisador. Segundo dados da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), embora os transtornos mentais estejam associados à quase totalidade de quem atenta contra a própria vida, mais da metade das vítimas nunca esteve em um psiquiatra. Porém, metade dessas pessoas consultaram-se com algum médico no período de até seis meses antes da morte.
A abordagem do paciente em risco de suicídio pelo profissional de saúde é decisiva para a prevenir que pessoas tentem tirar a própria vida e para que, em última instância, possam receber ajuda para se livrar do grande sofrimento pelo qual passam. “O risco de suicídio é a ponta de um iceberg, ele mostra um sofrimento gigantesco que a pessoa está carregando consigo. Ele não é um diagnóstico: ele é uma circunstância, é uma situação que está associada a vários agravos, vários transtornos de saúde mental. Em termos epidemiológicos, pode-se dizer que constitui o desfecho de uma trajetória triste, ruim, grave, complexa. Portanto, é fundamental que na abordagem já se tenha uma atitude acolhedora, que, além da medicação, você tenha o approach de psicoterapia de crise e apoio na solução de problemas. Uma pessoa que teve sua vida salva, pode estar mal e continuar mal”, esclarece.
As orientações da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP) são demonstrar empatia ao sofrimento da pessoa, evitando julgamento moral e, assim, estigmas. Diante de sinais de risco, deve-se conversar aberta e cautelosamente sobre o tema com o paciente. O profissional precisa ter paciência para ouvir e não falar apressadamente. “A abordagem verbal pode ser tão ou mais importante que a medicação. Isso porque faz com que o paciente se sinta aliviado, acolhido e valorizado, fortalecendo a aliança terapêutica”, reforça a entidade em seu manual. Outro ponto importante é não desqualificar o paciente que sobreviveu a uma tentativa ou que apenas ameaçou cometer suicídio. A associação explica que todo paciente que fala sobre suicídio tem risco em potencial e merece investigação e atenção especial.
 
Leia Mais:
OPAS lança publicação que reúne estratégias para a prevenção do suicídio
 
FONTE: FIOCRUZ